Tô sem dinheiro

Ericka Moderno Rocha
4 min readJan 29, 2024

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e você também deve estar. É janeiro. Que merda, hein?

Essa ilustração é da Sujin Kim

É meus amigos, a crise tá brabíssima. Eu cresci a minha vida inteira escutando dos meus pais o quanto a gente precisava economizar, que o dinheiro não ia dar, que a conta não fecha, aquela coisa de família classe média trabalhadora assalariada, super privilegiada, que achava pouco ir pra Caldas Novas nas férias porque não conseguia ir pra Disney nem com o dólar 1 pra 1, lembram? Então.

Eu tive sorte na vida. Sempre tive absolutamente tudo que eu quis. Estudei em colégio de rico, não fiz uma, mas DUAS faculdades particulares de elite, morei fora de casa, sempre comi do bom e do melhor e consegui comprar meu iPhone lá no meu segundo emprego, quando já ganhava o suficiente pra me endividar no cartão de crédito.

Hoje eu olho pra trás e penso como era rasa a minha concepção de sucesso.

Mas enfim, cá estou, escrevendo esse texto, repetindo o mesmo ciclo dos meus pais de não ter dinheiro nunca, da conta não fechar, de reclamar que a muçarela tá um absurdo e de ficar procurando o dia mais barato pra comprar a peça do mignon. Daí, me veio um insight muito terapêutico, aliás, meu analista ficaria orgulhosíssimo, de como não somos iguais aos nossos pais, mas mesmo inconscientemente, somos um eco do comportamento deles. Do que eles pregavam, do que eles eram, do que eles colocaram na nossa cabeça que era ou não importante, da ousadia que uma professora de história e um nordestino preto sem nenhuma formação tinham de insistir que a filha deles tinha que estudar com o filho do dono da TIM e é isso aí.

Daí já logo me coloco na posição de mãe e penso: é com isso que eu quero que meu filho se preocupe lá pelos quase 40? Acho que não é. Não sei, talvez.

Hoje sou bem menos apavorada, sonhadora, bem menos ambiciosa, já não quero todas as coisas/objetos/viagens/tecnologias e tudo o mais que a vida rica pode oferecer, mas quero muita coisa. Muito mais que o meu salário pode pagar. E fico aqui matutando sobre quais eram as ambições dos meus pais aos 36 anos, com filha pequena, vivendo de aluguel, pagando o colégio e chorando em janeiro com o IPVA. Seriam, os planos deles, da mesma simplicidade dos meus? Porque é isso, eu não quero muito não, já tenho muito mais que a maioria. Comida na mesa, cerveja de final de semana e viagem de férias pra relaxar. O que esperar mais da vida, óh pobre guerreira da burguesia? O que mais você vai tirar do pobre pra sua mesa?

Nota: gostaria que vocês lessem esse texto com o mesmo sarcasmo e ironia que eu o escrevo. Em tempos de ausência de letramento socio-econômico-político, é sempre bom esclarecer.

Será que algum dia eu finalmente sentarei com meus amigos que administram muito bem os seus dinheiros (te amo, Heloísa!) e conseguirei achar que o que eu tenho é o suficiente? Conseguirei organizar a minha vida a tal ponto de botar a cabeça pra fora da água e respirar com aquela sensação de que cheguei na borda de algum lugar seguro?

É muito louca como a nossa relação com a bufunfa pode alterar completamente o curso da nossa vida. Eu num tô aqui nem um pouquinho pra ser hipócrita, Deus me livre, dinheiro é bom demais. Dinheiro é felicidade, sim. Dinheiro é importante para absolutamente todas as coisas, não tô falando de satisfação pessoal, de trabalho que realiza, isso tudo é balela, nem sei se isso existe de verdade, tô falando de dinheiro mesmo. De grana, pagode, herança.

Dinheiro é paz de espírito, é conforto, é lençol de algodão egípcio e toalha Budmeyer. Eu lembro que dinheiro pra mim era trocar de mochila todo o ano e ter um tênis novo pra começar as aulas. Que meus pais me davam esse carinho e cuidado em forma de dinheiro. Que a gente consegue cuidar com dinheiro, dormir em paz, demonstrar afeto, amor, pagar a nossa traquilidade.

Dinheiro representa coisas, sentimentos e possibilidades que absolutamente todas as pessoas deveriam desfrutar. Sem exceção.

E tal qual amor, quanto mais se tem, mais se quer. Mudam-se os parâmetros sobre ele, nossos padrões, as futilidades. Esse texto, eu sei, está completamente elitista, de pobre menina rica, de coitadinha cheia de pequenos luxos. Como eu, meu Deus, posso falar sobre tanta futilidade com gente dormindo na rua e passando fome semanas à fio? Vivendo num mundo só sobrevive por conta dos nossos desejos.

Dinheiro é a nossa moeda de vida. A gente luta pra ganhá-lo, justa ou injustamente, passa a maior parte do tempo perseguindo um ideal financeiro e precisa gastá-lo. É exigido. Cruel ou não, é assim que as coisas são.

E nesse janeiro, eu estou super sem dinheiro, já sabem, já comecei esse texto falando isso. E o que eu acho mais interessante é que a única coisa que as ausências me trazem é a capacidade de escrever sobre elas.

Pela primeira vez na vida percebi que criatividade — e boas reflexões — também podem surgir da falta de grana, mas espero sair do rombo orçamental desse mês pesado para o Brasileiro e encontrar novas fontes de inspiração.

Amém? Que Deus te dê em dobro também.

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Ericka Moderno Rocha

Jornalista, blogueira de várzea e designer. Atualmente, criativa e planner. ❤️ Fala comigo! erickamr@gmail.com