Talento.

Ericka Moderno Rocha
4 min readJun 19, 2024

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da incrível fotógrafa, Flora Borsi

Eu adoro a sensação de vencer, mas odeio competir. Acho incrível quem sabe tocar algum instrumento, mas nunca tive paciência de aprender. Acho dirigir uma das coisas mais revolucionárias do mundo, mas demorei pra tirar carteira, fiz a prova de direção grávida, vivi uma pandemia no meio do processo e hoje considero que o saldo entre me locomover com praticidade e atrapalhar o trânsito nacional compromete a vida de qualquer CET.

Eu fui uma adolescente bem mediana e acho que sou uma adulta bem mediana também. Sempre fui uma curiosa nata, uma generalista de carteirinha. Gostava de muitas coisas, mas era terrível em quase todas elas, não tinha a menor vontade de me tornar a melhor melhor em tudo, fazia o que dava, era feliz enquanto podia, me irritava e ia embora, simples assim. A gana pela autossuperação é desgastante.

Já fiz jazz, ballet, ginástica olímpica, pintura em gesso, bordado, aula de desenho, judô, capoeira, boxe, dança aérea, ginástica localizada e me encontrei no pilates. Fui escoteira, cantei no coral da igreja, tinha muitos hobbies, muito tempo e em grande parte da minha juventude fiquei tentando encontrar minha função prática no mundo, no que, afinal, eu era verdadeiramente boa. Fiz jornalismo por acreditar que a minha única competência acadêmica era a escrita e fico pensando que hoje eu quase não consigo ter tempo pra escrever de fato. Nunca ganhei dinheiro, afinal, pela coisa da qual me considero mais apta a executar. Deveria ter sido atriz, tentado medicina, investido em mim mesma como blogueira, eu queria ter a visão sobre mim mesma que eu tenho hoje, de que talvez eu seja boa em muitas coisas que ninguém se importa, mas que sou melhor ainda, em tudo no que me propuser, quando estou feliz.

Sucesso é diferente de ter dinheiro, a gente sabe. Sucesso é sobre atender expectativas (quase nunca as suas próprias) e garantir bons contatos. Aos jovens que estão iniciando agora na vida corporativa esse é um bom mote a ser seguido. Nunca fui promovida em nenhum trabalho, não sei se falo isso com orgulho ou vergonha, mas trabalhei em muitos lugares legais, com muita gente bacana e muita gente terrível também. Meu caminho profissional sempre foi uma montanha russa cheia de curvas traumáticas e mais baixos que altos, fiz de tudo um muito, em muitos lugares diferentes, fiquei muito satisfeita, mas também fui muito miserável, por várias e várias vezes. Eu não sei, de verdade, se existe gente verdadeiramente feliz em trabalhar.

Aprendi a pensar de muitas formas, minha cabeça deveria ser estudada porque eu sei que faço conexões fora da normalidade e consigo plantar uma semente no concreto. Me adaptei, também, várias vezes, já fui agência, consultoria, varejo e acredito possuir um daqueles currículos in-ve-já-veis ao contrário, que é tema nas palestras do LinkedIN, onde somos avaliados pelo o que dizem os números, a linearidade (inexistente) dos fatos, no meu caso, e as pessoas que conhecemos.

Não sou uma profissional que se destaca ali, no papel, mas se você já esbarrou comigo no mundo dos negócios sabe que eu amo aprender, que faço as coisas com tesão, que sou uma gestora humana, coerente e molenga e oscilo entre uma positividade tóxica e um bom humor à síndrome de Charlie Brown Jr.: “mas você me conhece eu faço tudo errado. Tudo errado.”

Fico também pensando que a internet sugou grande parte da minha energia de tentar coisas novas. Eu não quero mais me provar e me provar virando noite, contrariada, em uma cidade insalubre como São Paulo. Talvez eu precise fazer tudo isso novamente como mandam os deuses do capitalismo? Sim. Eu quero? Não. Fico todo o dia vendo o meu horóscopo, jogando tarot em situações de crise e fazendo uma fézinha na Mega Sena. Vai que um dia o jogo vire pro meu lado e me garanta a sorte de uma conta bancária tranquila?

Eu ainda não sei o meu propósito, mas sei que quero ter saúde pra juntar algum dinheiro pra me aposentar dignamente. Sei também que duvidar de si própria é uma das maiores ciladas da mulher média moderna que se desdobra, faz das tripas coração pra manter a saúde mental em dia, a casa em ordem, o look daora e o cheque especial bem quietinho. É um Deus nos acuda, mas é o que tem pra hoje, pra amanhã e talvez seja isso que devemos tirar de saldo sobre a vida: é tudo sobre equilíbrio. E sobre aceitar que é impossível realizar todos os desejos que se tem.

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Ericka Moderno Rocha

Jornalista, blogueira de várzea e designer. Atualmente, criativa e planner. ❤️ Fala comigo! erickamr@gmail.com