Sentir (é) viver

Ericka Moderno Rocha
2 min readMay 23, 2023

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Eu ando extremamente saudosista nos últimos tempos. Não sei se depois de ser mãe eu passei a olhar todos os mínimos acontecimentos com mais sentimento, mas a verdade é que eu sempre fui visceral na vida — e na escrita em consequência. Eu não sei fazer nada sem paixão e acho que também não sei recordar das coisas de forma pragmática: a minha memória não é factual, é recheada de cheiros, de sons, de sensações. Existe uma enorme diferença entre a lembrança e a memória e quem já viveu grandes amores, decepções ou felicidades sufocantes sabe bem disso.

Uma coisa é a coisa como ela foi. A queda, a morte, o nascimento, o primeiro beijo, o dia na piscina, o fim de tarde da adolescência. Outra coisa é como aqueles fragmentos de tempo batem na gente, como a gente quase consegue sentir o sol queimar a pele de novo, o vento gelado de novo, as mãos trêmulas, aquele choro ardido ou a risada tão aberta que até doeu a boca.

Acho bonita essa condição humana, eu não sei muito sobre biologia, mas tenho quase certeza que mais nenhum bicho é capaz de sentir a vida dessa maneira, de recordar. De sentir saudades de quem era, do que passou, de fechar os olhos e praticamente conseguir se teletransportar pro passado. Também acho impressionante o fato de conseguirmos dar novo significado às coisas ruins, como a dor do parto, por exemplo. Dizem que o nosso corpo realiza um processo de esquecimento sobre o parir, de transmutar o cérebro até a gente realmente pensar que “não doeu tanto assim, talvez eu tenha outro filho”; com certeza tem a ver com sobrevivência. Mas é por isso que a gente ama de novo, cai de novo, tenta de novo, vive de novo e continua a caminhar contra as adversidades. Porque a gente tem a infinita capacidade de recordar, mas também uma capacidade igualmente extensa de esquecer.

A gente continua e insiste e repete erros e recolhe os cacos e vira outra coisa. É poético como sobrevivemos a alguns dias de forma tão banal e a outros em profundo torpor — de amor ou dor. Somos plenamente capazes de apagar tudo, pintar tudo de cinza e reescrever nos nossos muros só deixando pra trás, como diria Marisa Monte parafraseando o poeta Gentileza: tristeza e tinta fresca.

Não há forma mais segura de (sobre) viver que deixando o coração enganar a mente um pouquinho. Vez ou outra.

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Ericka Moderno Rocha

Jornalista, blogueira de várzea e designer. Atualmente, criativa e planner. ❤️ Fala comigo! erickamr@gmail.com