Alguma coisa acontece no meu coração.

Ericka Moderno Rocha
3 min readApr 17, 2023

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Foto do meu melhor amigo que registra as belezas da vida no IG — @masciafotografou

“E foste um difícil começo, afasto o que não conheço
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso”

Enfim, a hora chegou. Aquele tempo em que a gente passa a valorizar as nossas raízes, sente saudades da nossa terra e olha com saudades a vida que deixou pra trás.

Sinto uma falta que me dói fisicamente. Dos cheiros, dos sons, do barulho das ondas, do trânsito caótico e plano, dos lugares lotados, do atendimento mediano dos bares e restaurantes, dos hospitais ruins. Tudo me parece mais simples, mais leve, mais saudável: é lá, na terra em que eu nasci, que encontro abrigo. Que eu sou feliz de verdade.

Quando eu tinha 17 anos e todo um mundo de possibilidades, Santos me parecia pequena demais, um lugar claustrofóbico mesmo. Quase tão conservadora quanto o Sul do nosso país, pensar na possibilidade de ficar presa àquele código de área me dava arrepios. Eu queria conhecer outros tipos de pessoas, viver novas possibilidades e ideologias, me encontrar e construir uma vida bem longe daquele lugar que parecia magnético: todo mundo que saía, voltava em algum momento.

Eu não entendia muito bem como esse fenômeno acontecia, mas pra mim, voltar pra casa era como fracassar — e foi. Lembro muito bem quando, depois de concluir a minha primeira graduação, me vi de volta àquela terra obrigada, sem possibilidades, sem planos ou estrutura para recomeçar. Mas o mundo segue girando e a gente não fica parado nem que queira. E eu recomecei, claro, estudei novamente, namorei, casei, tive filho, vivi um sem número de experiências profissionais, fiz um monte de piercings, tatuagens, peguei um cachorro idoso pra chamar de meu e tudo isso, não exatamente nessa ordem, mas igualmente importante, foi fundamental para realizar muitos sonhos que, no litoral, eram coisas de gente importante. Só que assim como todas as coisas boas que vem com a terra da garoa, outras ruins passaram a pesar. Eu queria, agora, o contrário do que um dia me fascinava — precisava de menos. Precisava que o meu filho brincasse na areia, ficasse perto dos avós, tivesse uma infância livre, cheia de sorrisos, amigos e sem telas, como a que eu tive.

A água de coco em caixinha ficou sem graça. Eu já não queria mais trabalhar por 14h sem horário de almoço. Não queria me submeter à tanta gente incapaz e escrota que estava em cargos altos sem merecer. Não gostava mais de ficar isolada, tendo que agendar qualquer programação com os amigos com 1 mês de antecedência e parcelar em 12x sem juros no crédito. São Paulo é uma terra fascinante, cheia de contradições, com poucas padarias de bairro, mas muitos carros e farmácias. Se você parar pra analisar, tendo vindo de outro lugar, vai entender que essa conta faz muito sentido.

Visitei todos os parques, comi em todas as hamburguerias, conheci lugares de pobre e de rico, até na cadeia eu estive. Se ser grande era pagar esse preço, eu já não queria mais continuar. Não sei se você já teve a chance de morar em uma cidade de praia, mas não existe prazer maior que se reunir com os amigos num fim de tarde pra ver o pôr do sol. Colocar as crianças pra brincar, andar de bike na pracinha, comer um sandubão cheio de areia na orla. Há muita beleza nas pequenas coisas, dá um alívio danado respirar um pouco e saber que mesmo todos os amigos tendo mudado, mesmo que toda a vida tenha tomado mil rumos e que as coisas já não são iguais aos meus 15 anos, existe acolhimento. E um lar onde tudo me soa confortável e familiar. Não vejo a hora de voltar, Santos. E de mostrar pras pessoas daqui de SP como é maravilhoso morar onde o mar toca os pés.

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Ericka Moderno Rocha

Jornalista, blogueira de várzea e designer. Atualmente, criativa e planner. ❤️ Fala comigo! erickamr@gmail.com